Cerveja “Escura” (mas de verdade!) – American Stout

Toda vez que alguém começa a fazer cerveja em casa, a mostrar aos amigos as crias e a fama começar correr a vizinhança, as chances de aparecer um sujeito querendo uma cerveja “escura” pra oferecer para a esposa ou para aqueles amigos que curtem algo docinho é grande.

Mas aí, ao entrar no mundo das cervejas artesanais percebemos que o termo cerveja escura é algo tão amplo quanto chegarmos em um açougue e pedimos : “Me vê um 1 kg de carne”.  Mas que carne?

Cerveja escura – o que é?

No mundo dos cervejeiros caseiros as cervejas escuras mais conhecidas são as Stouts, as Porters e as Schwarzbiers. Sendo que cada um desses estilos apresenta uma diversidade de outras variantes e, consequentemente, cada uma delas apresenta particularidades específicas.  Porém, existem outras famílias de cervejas escuras (veja por exemplo o guia de estilos de cervejas da BJCP  https://www.bjcp.org/bjcp-style-guidelines/).

Ou seja,  esta cerveja “escura” que estamos acostumados a ver no Brasil é como a jabuticaba, só existe aqui, uma vez que nenhum destes estilos conhecidos são doces ou sequer levam corantes (sendo o caramelo o mais comum) em sua composição original.

Por isso, vamos apresentar uma receita de cerveja escura fácil de fazer e que não vai corante.

Essa receita que vamos apresentar é de uma American Stout, mas com uma sutileza adicional, pois um dos maltes que usaremos pode ser torrado em casa, fazendo com que a expressão “Cerveja Caseira” fique até mais forte.

Diferença entre cervejas escuras – Stout e Porter

A diferença entre Stouts e Porters é bem sútil. É aceito que as stouts são uma sub-família das Porters, sendo que essas seriam mais “fortes” e “encorpodas” que as puras Porters e com o tempo as Stouts formaram uma nova família. Segundo o que contam historiadores, no passado o termo Stout era um sinônimo de “Strong”, ou seja, Forte e era utilizada em qualquer estilo ou cor de cerveja que tivesse uma versão mais forte, existiam até Pale Stouts. Com o passar do tempo, o termo acabou sendo associado às cervejas escuras e acabou por identificar um estilo específico . E nesta nova família temos exemplares de Stouts menos fortes e encorpadas coma as Dry Stouts, sendo a mais conhecida, a Guinness.

De modo geral, Stouts são cervejas de coloração escura intensa, com forte presença de aroma de maltes torrados que conferem aromas de café/chocolate. O lúpulo tem um papel mais discreto e serve para equilibrar com o corpo, geralmente alto, deste estilo.

Porém, a nossa American Stout é um pouco diferente. A “American stout” é uma releitura das tradicionais britânicas e se assemelha mais com as Foreign Extra Stouts (variação com um perfil de torrada e amargor mais intenso que as demais variedades). E a nossa “American” possui uma característica mais pronunciada de chocolate/torrado e de lúpulos americanos (pouco, mas perceptível).

A receita para 20L de American Stout é:

Malte (EBC=68):

3,5 kg de Malte Pilsen

1,0 kg de Malte Carahell

0,4 kg de Malte Munich

0,2 kg de Malte Crystal 400

0,6 kg de Malte Carafa I (ou Malte Chocolate)

0,5 kg de Malte Pilsen torrado em casa

0,1 kg de  Aveia em flocos

A particularidade desta receita esta no torrefação caseira do malte. Este malte levemente torrado acentuará o aroma de chocolate quando a cerveja estiver pronta e este toque distinguirá bem esta American Stout de outras.

Para fazer esta torra em casa, o procedimento é bem simples. Basta espalhar o malte pilsen em um tabuleiro ou assadeira e colocá-lo no forno a 200ºC por 40 minutos . É importante revirar o malte a cada 5 minutos e manter esta temperatura constante de 200ºC. No forno de casa pode ser um pouco trabalhoso manter a temperatura, mas uma dica é abrir e fechar a tampa do forno e usar um termomêtro o tempo inteiro do processo.

Os lúpulos que podem ser usados são:

Lúpulo (IBU=28):

50 g Lúpulo Summit

10 g de Lúpulo Cascade

 

Fermento:

1 tubo de Levedura White Labs WLP 001 – California Ale ou 1 pacote de Levedura Fermentis US-05 ou ainda a Levedura Mangrove Jack´s M44 – US West Coast

A brassagem é feita com algumas rampas específicas de temperaturas. Primeiro aquecemos 30L de água até 60ºC, depois despejamos todo nosso malte (já moído). Este volume de água será todo o volume que usaremos no processo, ou seja, não lavaremos o bagaço( mas é fundamental uma boa recirculação) esta técnica é conhecida como “no-sparging”.

Com isso, a temperatura ficará em torno de 55ºC. Esta será nossa primeira rampa de temperatura e devemos manter esta temperatura por 10 minutos (esta é a famosa parada protéica, que auxiliará na boa formação de espuma da cerveja).

Após esta rampa elevamos a temperatura para 68ºC e deixaremos por mais 60 minutos. Esta rampa quebrará o amido em diversos açúcares, sendo alguns deles menos fermentáveis, fazendo com que a cerveja fique com mais corpo. Após este período, deixamos o mosto descançar por 10 minutos para que o malte decante e forme uma cama filtrante.

Após esta tempo iniciamos a recirculação do mosto, que nada mais é que tirar, vagorosamente, um certo volume de mosto pela torneira da panela de brasagem e retornar ele por cima. Fazemos isso por várias vezer por 15 minutos. Esta recirculação é importante para limpar o mosto de cascas de maltes, o que evita levarmos taninos para a fervura/cerveja final, o que causaria, entre outros problemas, uma certa adstringência na cerveja.

A próxima etapa é a fervura. Colocamos todo o mosto para ferver. Ao iniciar a fervura adicionamos 30g de Summit. Após 20 minutos de fervura adicionamos mais 20g de Summit. No final da fervura, ou seja, quando desligar o fogo adicionamos 10g de Cascade.

Após esta etapa resfriamos o mosto e adicionamos o fermento. A densidade inicial esperada é de 1,069. A fermentação é feita com uma temperatura controlada de 20ºC por 7 dias. A maturação se estende por mais 20 dias a 10ºC.  A densidade final ficará em 1,015 o que resultará em aproximadamente 7% de álcool.

Para engarrafar, adicionamos primming (açúcar invertido), na ordem de 7 gramas por litro, na cerveja e acondicionamos a precioso líquido nas garrafas. Aconselhamos deixá-las guardadas por mais 3 meses antes do consumo.

Espero que gostem!

Boas cervejas!

David - Lamas Autor

David Figueira, doutor em Física pela UNICAMP e fundador da Lamas Brew Shop e da Cervejaria Cogumelo.

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