Terroir do lúpulo, sua expressão e as possibilidades no Brasil

O tema de hoje é Terroir do Lúpulo e novamente convidamos o Gabriel Cássia Fortuna, engenheiro agrônomo, doutorando em Produção Vegetal com pesquisa em manejo de lúpulo, consultor agrícola na Brazuca Lúpulos e membro do conselho fiscal da Aprolúpulo para falar sobre a Expressão do Terroir do Lúpulo e as Possibilidades a Serem Exploradas no Continente Brasil.

Com a palavra o Gabriel:

A expressão do terroir do lúpulo e suas possibilidades

Nesse país de dimensões continentais e grande diversidade de climas e solos somados aos diferentes manejos que vem sendo empregados no cultivo do lúpulo no país, já era de se esperar que um Cascade plantado no Nordeste seria diferente do Cascade plantado no Centro-Oeste, e que um Chinook cultivado no Sul não seria igual ao Chinook cultivado no Sudeste. E tendo Estados com dimensão territorial de país, também era de se esperar as diferenças de qualidade que estamos vendo, por exemplo, do lúpulo paulista cultivado no Sul, Centro-Oeste e Norte do Estado de São Paulo.

O terroir exerce forte influência no lúpulo porque o produto comercial da cultura são os compostos químicos presentes na lupulina, e estes são decorrentes do metabolismo especializado da planta, conhecido também como metabolismo secundário.

Esses metabólitos são sintetizados em maiores quantidades pela planta como uma “estratégia de adaptação” a diferentes mudanças/perturbações que ela possa sofrer, seja por ação do homem (manejo hídrico, nutricional, controle de pragas e doenças, época de colheita), do ambiente (luminosidade, precipitação, temperatura, estações do ano, fases da lua, ataque de pragas, interações com microorganismos) e da própria planta (idade fisiológica), podendo exercer esses fatores uma forte influência na composição química do lúpulo.

Diferente da alface que produzimos a folha, de um milho que produzimos o grão, de uma mandioca que produzimos a raiz, ou de uma uva que produzimos o fruto, todas essas culturas, apesar de terem também na sua composição alguns metabólitos secundários, o produto comercial é em sua maior parte composto por metabólitos primários como carboidratos, aminoácidos, lipídeos, proteínas, dentre outros, que não são totalmente influenciados por essa diversidade de fatores mencionados.

Sabemos que os teores totais de alfa ácidos e óleos essenciais bem diferentes que vem sendo observados para a mesma variedade em distintos locais são influenciados também pelo nível de tecnologia e conhecimento empregado no manejo do lúpulo, mas isso é um assunto que será abordado em outro texto nosso que vai falar da qualidade e produtividade que vem sendo obtida nos lúpulos brasileiros. Quando falamos do terroir estamos considerando basicamente as diferenças de aroma e sabor, que são avaliadas especificamente fazendo a caracterização do perfil químico dos óleos essenciais com o uso da cromatografia gasosa. Em 2004, a partir do uso de um método mais avançado chamado cromatografia gasosa bidimensional abrangente, foi possível saltarmos de 200 compostos aromáticos identificados anteriormente para possivelmente mais de 1.000 compostos que podem ser encontrados no óleo essencial do lúpulo.

Essa vasta composição química do óleo essencial e a sinergia entre os teores desses compostos no lúpulo, somados as diferentes interações que o lúpulo sofre com as enzimas, leveduras e temperaturas dentro do processo de fabricação da cerveja, mostram que ainda há um vasto mundo para ser estudado em relação aos atributos sensoriais entregues pela extensa rede de compostos químicos aromáticos e interações que irão resultar no aroma e sabor do lúpulo na cerveja.

O terroir e os óleos essenciais do Lúpulo Comet

Dentre os hidrocarbonetos, sabemos que o mirceno é o composto majoritário do lúpulo (sempre encontrado em maior quantidade), e outros monoterpenos como o alfa-pineno e beta-pineno, assim como o mirceno, são responsáveis por entregar um perfil condimentado, herbal e gramíneo para a cerveja, e os principais sesquiterpenos (farneseno, humuleno e cariofileno) proporcionam notas mais amadeiradas e de especiarias. Já os compostos oxigenados podem entregar sabores frutados, florais e cítricos intensos, como os álcoois terpenicos linalol, geraniol e nerol, que são os principais compostos responsáveis pelo perfil lupulado das IPA’s modernas.

Com o apoio dos nossos parceiros do laboratório especializado em análise química de lúpulo Kalamazoo Solutions que gentilmente cederam os dados apresentados abaixo, referentes ao teor de cada composto aromático em relação ao teor total de óleo essencial. Observa-se a diferença no perfil químico do óleo essencial na variedade Comet cultivada em três locais com clima, solo e manejos distintos, ou seja, cada fazenda possui um terroir do lúpulo diferente. Em algumas fazendas alguns compostos estavam abaixo do limite de detecção, e em outros locais esses mesmos compostos já puderam ser identificados. Podemos perceber que não há um padrão no teor dos compostos aromáticos nas três fazendas, ocorrendo grandes variações para cada composto em decorrência do local de cultivo.

As plantas do Rio Grande do Sul e do Sul de SP eram de 1° ano, e do Centro-Oeste paulista de 2° ano, portanto nenhum cultivo avaliado continha plantas na fase adulta, que geralmente ocorre a partir do 3° ano, idade em que o lúpulo atinge o seu máximo potencial de qualidade e produção, ocorrendo um acréscimo de qualidade ao longo dos primeiros anos até o lúpulo atingir a sua fase adulta e estabilizar a sua qualidade e produção, tendo a partir disso uma pequena variação ao longo dos anos por conta do clima e manejo.

Farneseno do lúpulo comet nacional

 

 

Mirceno no Lúpulo Comet Nacional
Cariofileno no lúpulo Comet Nacional

No Brasil alguns compostos de aroma estão sendo encontrados em teores maiores do que os relatados na literatura. Um exemplo disso é o farneseno, responsável por entregar um aroma amadeirado, cítrico e doce a cerveja, e que geralmente está presente em 1% ou menos do total dos óleos essenciais, na grande maioria das variedades. Porém em determinados lúpulos nobres como o Saaz, Sterling, Spalter, Tettnanger e Hallertau Mittelfrüeh, esse composto pode atingir até 20%. Aqui no país, para essas variedades, estamos encontrando teores iguais ou maiores que 20%, e o que é mais impressionante, teores de 3 a 5% em algumas variedades que de acordo com a literatura possuem teores abaixo de 1%. Isso pode ser explicado por conta da maturação mais acelerada dos cones que ocorre em nosso clima tropical quando comparado a países com clima mais frio e dias mais longos.

O terroir do lúpulo Comet e suas variações

Nos laudos abaixo, feito pelo químico Duan Ceola na Escola Superior de Cerveja e Malte, temos duas fazendas no interior de São Paulo que cultivam Comet e estão a 15 km de distância uma da outra, tendo o mesmo tipo de solo e clima e variando apenas o manejo, em plantas de 1° ano. Podemos observar que ainda assim houve diferenças no teor total de alfa ácido e óleo essencial, e de acordo com o gráfico aranha sensorial a fazenda que obteve o maior teor de óleo essencial teve um perfil aromático do Comet com notas cítricas mais vegetais e amadeiradas do que a outra fazenda, que teve um aroma com a mesma intensidade cítrica, porém com notas mais picantes, herbais e de frutas vermelhas.

 

 

 

 

Além da influência do ambiente e do manejo nos atributos de qualidade do lúpulo, outro fator importante que vai influenciar a qualidade, especificamente nos países mais quentes, é a sazonalidade de produção. A possibilidade de fazermos duas a três safras por ano traz características distintas em nossos lúpulos em cada safra pois podemos colher nas 4 estações do ano dependendo da região de cultivo.

Colheita de lúpulo comet na fazenda Lúpulos Dalcin
Corte no lúpulo Comet e a lupulina da flor

Outro ponto importante a ser considerado é que os pellets importados que chegam no Brasil são feitos com blends de lúpulo de várias fazendas, o que acaba tornando a qualidade do produto mais homogênea quando comparado com fazendas que comercializam diretamente com as cervejarias lotes de flor ou pellets de apenas um único campo, proporcionando características um pouco diferenciadas desses lúpulos quando comparados aos blends.

Nos principais países produtores a maioria do lúpulo comercializado, seja para o comércio interno ou externo, é feita em blends através das centrais de peletização e distribuição, porém existe esse nicho específico de comércio direto com as fazendas para as cervejarias que buscam lúpulos com características sensoriais um pouco diferentes do padrão para aquela variedade.

No Brasil hoje nosso modelo de comercialização é feito diretamente dos produtores para as cervejarias, com a própria fazenda peletizando o seu lúpulo ou terceirizando o serviço, o que possibilita ao mercado explorar o perfil sensorial único daquela safra naquele local de produção.

Os lúpulos não blendados não são piores nem melhores do que os blends, mas podem apresentar sutilmente características únicas que chamem a atenção das cervejarias. Para termos um produto mais homogêneo, tendo em visto que nem mesmo os blends conseguem ter 100% de similaridade safra após safra, serão importantes os contratos de comercialização entre uma fazenda e uma cervejaria, com o objetivo de se ter um rótulo comercial usando sempre lúpulo do mesmo produtor, ou aguardar os blends de lúpulo brasileiro que certamente irão ocorrer com o surgimento das centrais de peletização conforme a evolução da cadeia produtiva no país.

Porém o que importa hoje é sabermos que o Brasil já está produzindo lúpulos com qualidade, apresentando altos teores de alfa ácidos e óleo essencial, além de um perfil químico aromático diferenciado quando comparados com os principais países produtores.

Essa diversidade encontrada em diferentes regiões do país, e também quando comparada ao padrão da variedade em outros países, é exatamente a nossa riqueza que deve ser explorada pelas cervejarias e pelo mercado consumidor que agora pode encontrar sabores e aromas específicos de cada região produtora de lúpulo, o que possibilita ao mercado experiências sensoriais únicas e diversas com o uso do lúpulo brasileiro. Então bora explorar a nosso favor toda a diversidade que pode ser encontrada em nossas terras!!!

Se você quer mais informações a respeito do cultivo de lúpulo no Brasil pode entrar em contato pelo nosso instagram @brazucalupulos ou pelo site www.brazucalupulos.com.br.

E se você quer conhecer as diferenças de terroir do lúpulo comet nacional, fique sócio do Lamas Brew Club. Quem assinar o ciclo até 24/08/21 garante uma receita de Session IPA feita com o lúpulo Comet nacional das Fazendas Lúpulos Dalcin e da Brava Terra Lúpulos.

Boas Cervejas,

Gabriel.

 

Fernanda Puccinelli Autor

Gerente de marketing da Lamas Brew Shop. Descobriu o universo da cerveja caseira sendo cobaia das primeiras cervejas dos Lamas. Se apaixonou de vez pelas artesanais depois de se mudar para os EUA. De volta ao Brasil entrou no grupo da Manada Lamas, sendo responsável não apenas pelas ações de Marketing como também pelas curadoria do Lamas Brew Club.

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