Decocção

Olá Cervejeiro,

Hoje vamos falar um pouco sobre decocção. Nunca ouviu falar sobre isso? Então, vem comigo que vamos esclarecer suas dúvidas.

Decocção é um tipo de mosturação com paradas de temperatura onde parte do mosto é retirado da panela de mostura e fervida a parte. Esse líquido fervido retorna para a panela principal com o intuito de elevar a temperatura para a próxima etapa. Este tipo de mostura pode envolver mais de um ciclo de separação do malte, fervura e retorno ao mosto. A forma tradicional e mais realizada é a tripla decocção, onde é realizado 3 ciclos de retirada/fervura do mosto.

O método de decocção antecede o uso dos termômetros, sem ele era difícil obter o controle da temperatura da infusão como fazemos hoje, além disso os maltes não possuíam alta modificação como os maltes atuais. Devido a esses fatores, através de tentativas e erros, os cervejeiros do passado descobriram que a mistura sucessiva de certos volumes de mosto que acabara de ferver com o mosto principal era uma maneira de garantir a precisão e a repetição do perfil de brassagem.

A decocção era utilizada largamente em receitas da europa ocidental. Atualmente, ainda é bastante utilizada em estilos alemães e tchecos. E muitas cervejarias comerciais ainda utilizam a decocção por causa da alta taxa de extração do malte e obtenção de mais sabores maltados.

Atualmente, com o avanço da tecnologia de malteação e a utilização de maltes de extrema qualidade e eficiência, a utilização da decocção passou a ser um tanto obsoleta. Entretanto, existe um caso onde é muito interessante utilizar a decocção: na cerveja de trigo! Isso porque é comprovado que a decocção ajuda na formação dos precursores de sabor e aroma de cravo e banana.

Mostura com tripla decocção

Na tripla decocção são realizados 3 ciclos de retirada/fervura do mosto. São utilizadas as tr~es principais rampas de temperatura:  parada de acidificação, parada proteica e sacarificação.

Na decocção utilizaremos às seguintes proporções de água e malte:

  • Cervejas claras: em torno de 4.8-5.4 L de água/kg de malte.
  • Cervejas escuras: entre de 3.0-4.0 L de água/kg de malte.

A decocção tripla começa com o aquecimento do mosto em torno de 37°C (por volta de 15 a 30 minutos), esta temperatura ativa a enzima fitase,  que ajuda a abaixar o pH do mosto ao liberar o ácido fosfórico do malte. Enquanto fazemos a parada ácida, começamos a primeira decocção, retirando aproximadamente 1/3 do mosto e colocando na panela de fervura. Aquece-se este mosto lentamente (1°C/min) e realiza-se uma parada de 15-20 minutos em 66°C para conversão de amido, passado este tempo, continua-se o aquecimento até atingir fervura. Note que esse mosto da decocção precisa estar em constante movimentação para não queimar. Para cervejas claras, a decocção ferve por cerca de 15 minutos para cervejas escuras é recomendado ferver por até 40 minutos.

Após a fervura, essa fração de mosto é retornada ao mosto principal, o que elevará a temperatura do mosto para aproximadamente 52°C, atingindo a temperatura de ativação das protease –  parada proteica. Manter por 20 minutos minutos nesta temperatura e retirar mais 1/3 de mosto com a panela de fervura. A temperatura é elevada lentamente até atingir a fervura,mantendo por 15 a 30 minutos, dependendo do estilo da cerveja.

Após retornar a segunda decocção para o mosto principal, a temperatura subirá para aproximadamente 65°C. Nesta temperatura acontece a sacarificação, o mosto deverá ficar nesta temperatura até ocorrer a conversão de todos os amidos (fazer o teste de iodo para verificar a conversão), o que pode ocorrer entre 30 minutos a 1 hora. Após a conversão do amido estar completa, uma terceira decocção é feita (1/3 do mosto) e fervida por 15 a 30 minutos até volta-la ao mosto principal, elevando-o a 77°C – temperatura de mash out (manter por 10 minutos).

A partir daí partimos para a recirculação, lavagem e fervura normalmente.

Abaixo você poderá ver um esquema simplificado de fácil entendimento dos processos da decocção tripla.

Prós e Contras                 

Os cervejeiros adeptos ao processo de decocção dizem que esse tipo de mostura agrega características desejáveis de malte à cerveja, deixando o sabor e aroma mais complexos, principalmente aos estilos alemães e tchecos, Já outros cervejeiros vêem esse processo como uma tremenda perda de tempo e energia.

Podemos listar outros benefícios da decocção como:

–  Extração maior de sabores complexos de malte para a cerveja.

– Maior disponibilidade de amido às enzimas, devido a quebra das paredes celulares do grão de malte pela fervura.

– Maior coagulação de proteínas durante a fervura que serão filtradas durante a lavagem, resultando em uma cerveja mais cristalina.

– Formação de precursores de sabor e aroma de cravo e banana para cerveja de trigo.

A decocção também pode extrair mais taninos do que a mostura por infusão, porém o nível de taninos é baixo e alguns cervejeiros afirmam que esse nível baixo de taninos melhora o sabor da cerveja. Agora vocês devem estar se perguntando porque o nível de tanino é baixo na decocção, mesmo fervendo o malte? Isso ocorre porque o mosto denso que é utilizado na decocção tem ph mais baixo e a extração de tanino acontece em ph mais elevados e com mosto mais diluído.

Falamos muitos dos pros da decocção. E os contras? Quais são eles?

– Longo tempo de brassagem e gasto de energia.

– Necessidade de mais equipamentos para a produção de cerveja (fogareiro duas bocas, duas à três panelas,…)

– Pode haver ocorrência de oxigenação do mosto quente (HSA), causando indesejáveis off-flavours na cerveja.

– Necessidade de constante movimentação para não queimar o malte durante a fervura.

– O pH deve ser medido com um phmetro para evitar extração excessiva de taninos (pH abaixo de 5.7 está okay).

É muito importante, na primeira vez que fizer uma brassagem com decocção, anotar todos os passos realizados, como tempo, temperaturas, pH, volume da decocção, temperatura atingida quando a decocção retorna para a panela principal, maltes utilizados (dica: use o mínimo de maltes modificados). Esses dados serão muito importantes e o ajudarão muito para ajustar as próximas brassagens com decocção que você tentar fazer. Ah! Leia bastante sobre o assunto antes de fazer sua decocção, abaixo coloquei algumas referências que me ajudaram a criar este texto.

Apesar das técnicas utilizadas para a decocção estarem um pouco ultrapassadas, existe algo mais que isso: a curiosidade do cervejeiro caseiro, que se anima todo em testar técnicas novas, nem que seja para ver como era a produção dos antigos cervejeiros alemães.

E aí cervejeiro, vai ter coragem e fazer uma brassagem com decocção? Nos conte o resultado, estamos curiosos.

Referências bibliográficas

ALEXANDER, Steve. Boiling your wort into a decoction. Zymurgy Magazine, Estados Unidos, v. 25, n. 2, p. 42-45, mar. 2002.

COLBY, Chris. Decoction Mashing: Make a malty work the old fashioned way. The Best of Brew Your Own – Guide to All-Grain Brewing, Estados Unidos, p. 73-75, jan. 2015.

PALMER, John. How to Brew: Everything you need to know to brew beer right the first time . 3. ed. Boulder, Co: Brewers Publications, 2006. 400 p. v. 1.

PHELPS, Thimothy; FULLER, Joseph. Decoction: worth the effort?. Zymurgy Magazine, Estados Unidos, v. 37, n. 6, p. 47-56, nov. 2014.

ROSA, Ricardo. Decocção. Palestra na Biergarten da AcervA Carioca, Rio de Janeiro, PDF, p.16, maio 2009.

Fernanda Puccinelli Autor

Gerente de marketing da Lamas Brew Shop. Descobriu o universo da cerveja caseira sendo cobaia das primeiras cervejas dos Lamas. Se apaixonou de vez pelas artesanais depois de se mudar para os EUA. De volta ao Brasil entrou no grupo da Manada Lamas, sendo responsável não apenas pelas ações de Marketing como também pelas curadoria do Lamas Brew Club.

Comentários

    Luiz G Lacerda

    (30 de maio de 2018 - 01:59)

    Excelente artigo.
    Parabéns

    Marcos Marinho Ferreira de Andrade

    (13 de julho de 2018 - 16:00)

    Otimo artigo, tirou muitas duvidas, parabens!

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